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Aproveitamento de Águas Residuárias   e Pluviais em Serviços de Lavagem de Automotiva

Prof. Antonio Carlos Ramos da Silva Rolim

RESUMO: Este artigo demonstra a viabilidade técnica e econômica do aproveitamento de águas pluviais, em conjunto com o tratamento de águas residuárias resultantes de lavagem de veículos para reuso em centros comerciais de lavagem automotiva (lava-rápidos). O estudo descreve as principais características dos dispositivos e sistemas empregados, mostra os critérios de cálculo usados no dimensionamento do sistema e apresenta as verificações necessárias para garantia do padrão mínimo para águas de reuso, incluindo a diluição com água potável, com base em normas aplicáveis. Nesse artigo se faz a descrição das etapas, processos utilizados, dados técnicos, vantagens e desafios na implementação e operação desse sistema, que visa garantir a recirculação do efluente (águas residuárias resultantes da lavagem automotiva). A conclusão do presente estudo é que a recuperação e reuso de águas na lavagem automotiva comercial pode reduzir o consumo de água em até 70% (advinda do fornecimento público) e, como resultado, também, os custos envolvidos. A redução do impacto ambiental e da pressão sobre os sistemas de fornecimento público de água potável resultantes da adoção dessa medida em larga escala é um argumento a favor da proposta.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo faz uma revisão bibliográfica para apresentar práticas consolidadas sobre o aproveitamento de águas residuais resultante das operações de lavagem de veículos e do aproveitamento de águas pluviais para o mesmo fim, visando apresentar um sistema que viabilize o uso sustentável de recursos hídricos nos serviços comerciais de lavagem automotiva.
Embora a discussão e a implementação de medidas para o uso sustentável da água ten
ham aumentado nos últimos anos, há um enorme campo de hipóteses e situações a serem exploradas que talvez possam levar a resultados mais promissores. Modelos híbridos ou conjugados de métodos podem se tornar alternativas mais atraentes, tendo em vista que os argumentos a favor da sustentabilidade precisam alinhar-se à viabilidade econômica da solução.
A indústria de lavagem automotiva é uma das maiores consumidoras de água, consumindo grandes volumes de água limpa. A água utilizada por veículo pode variar entre 150 e 600 L, dependendo do tamanho do veículo e dos equipamentos e sistemas utilizados no processo de lavagem. Por isso, há um crescente interesse no tratamento e reutilização de águas residuais neste setor para além do reconhecimento dos impactos ambientais (ZANETI et al, 2011). A indústria de lavagem de veículos parece hoje estar mais consciente da necessidade de tratamento de águas residuais provenientes de suas operações.
Legislação ambiental e diretrizes públicas acerca desse assunto estão sendo implementadas em diversas cidades do mundo, em virtude da crescente preocupação com o meio ambiente por parte da própria sociedade. Temos o exemplo de Queesland, Austrália, onde o consumo de água é limitado a 70 litros por carro. Alguns países da Europa restringem o consumo a 60-70 litros por carro e/ou impõem uma porcentagem de recuperação (BOUSSU et al, 2007).
Seguindo essa tendência mundial no campo legislativo, a cidade de São Paulo aprovou e regulamentou em 2015 uma lei criando o programa de reuso de água em postos de serviços e abastecimento de veículos e lava-rápidos, exigindo a instalação de sistema exclusivo para captação, tratamento e armazenamento da água, visando o seu uso para atividades que admitam o uso de água de qualidade não potável, sujeitando o estabelecimento a multa (Lei Municipal nº 16.160, de 13/04/2015).
Embora haja o interesse crescente na recuperação de águas residuais da lavagem de veículos levando à implementação de diferentes tecnologias, não existe um padrão para as condições da água recuperada para as condições de lavagem de veículos. Sabe-se que em todos os casos, a água usada para limpar o veículo fica poluída, contudo, entende-se que na água reciclada para uso posterior na lavagem automotiva não pode haver poeira, óleo ou graxa para que seja adequada aos fins a que se destinam. Exigindo um sistema que seja eficaz em neutralizar esses poluentes no processo de recuperação das águas residuais.
Neste artigo, água recuperada (reutilizada, reciclada) é definida como a água resultante dos vários processos de tratamento para atender a critérios específicos de qualidade para o propósito da lavagem automotiva, cuja origem são as águas provenientes da própria lavagem dos veículos (água residual) ou das águas de captação pluvial. 
O objetivo geral deste artigo é avaliar uma alternativa de tratamento de águas residuais da lavagem de veículos a partir do processo de floculação-flotação para o reuso das águas provenientes das operações de lavagem e o aproveitamento de águas pluviais. Como objetivo específico, visa demonstrar a viabilidade econômico-financeira da proposta.
Quanto à importância desse tema pode-se citar a expressiva economia financeira que pode ser alcançada pelos empreendedores do setor. Outrossim, soma-se a isso, o apelo ambiental que propostas dessa natureza tem, com a redução do impacto ambiental de um recurso cada vez mais escasso. 
Mudar as estratégias de captação dos recursos hídricos para fontes alternativas, como águas residuais recicladas, osmose reversa da água do mar e coleta de águas pluviais, construindo um portfólio diversificado, pode ser a saída para pressão por mais recursos hídricos, tornando o sistema mais resiliente. Embora a coleta e reutilização da água de telhados seja comum em muitas partes do mundo, essa prática é relativamente nova e não suficientemente difundida. A captação de água pluvial para fins não potáveis é ainda tímido no Brasil, portanto, tem um potencial significativo para o abastecimento alternativo de água, visto que apenas uma fração da água usada precisa ser do padrão de água potável, como no caso da água utilizada nos centros de lavagem automotiva, objeto do presente estudo.
Diante desse cenário, torna-se de suma importância o tratamento de águas residuais, seja para o fornecimento de água potável, seja no reuso de água pluviais. Este estudo vai se ater ao tratamento de águas pluviais e de reuso, especificamente para reuso em Lava Rápidos, buscando a economia no consumo de água fornecida pela concessionária e reduzindo também o impacto ambiental urbano com o menor lançamento das águas servidas no sistema de drenagem urbano.
Os critérios para o uso de águas pluviais e residuárias variam de acordo com a aplicação, com as condições impostas por políticas públicas locais e avaliação técnica. A conformidade com essas diretrizes pode ser alcançada através do tratamento e limitando-se a quantidade de água recuperada (pluvial ou residuária) diluída na água potável aos percentuais adequados. Para o uso na lavagem automotiva, tanto as águas pluviais como as residuárias devem passar por um sistema de tratamento que elimine riscos à saúde dos usuários e danos aos veículos. Nessa aplicação, a aparência e odor da água é importante. Isso sugere que um nível mínimo de tratamento é necessário para se alcançar o padrão de uso com segurança e conforto nas operações de lavagem automotiva.

1.1. Poluentes nas águas pluviais e residuárias


O aproveitamento de águas da chuva nas edificações em ambiente urbano se dá principalmente pela captação dessas águas no escoamento superficial de telhados e outras superfícies impermeáveis. À medida que a água escoa sobre a superfície, poluentes são facilmente transportados. As águas pluviais podem conter uma variedade de poluentes, que podem ser físicos, químicos e biológicos. Estes incluem poluentes brutos, sólidos em suspensão, produtos químicos e restos de animais. Esses poluentes podem ter uma concentração altamente variável, dependendo das condições de manutenção e limpeza do sistema.
Assim como nas águas pluviais, as águas residuais provenientes da própria lavagem dos veículos carregam poluentes. Os diversos tipos de poluentes, esquematizados na Figura 01, exigem tratamento adequado para sua eliminação ou redução. O sistema de tratamento deve ser capaz de neutralizar esses poluentes de acordo com suas características.

 
Figura 01 – Principais origens dos poluentes nas águas residuais da lavagem de veículos
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: JANIK; KUPIEC (2007), traduzido do inglês, com adaptações.
 

No caso da lavagem de veículos, as águas residuais estarão carregadas dos poluentes do tráfego, partículas de combustão, materiais particulados diversos, graxa, óleo, pequenas partículas de metal e outros materiais e ainda os poluentes advindos dos produtos químicos usados na lavagem.
 

1.2. Critérios para o uso de água não potável
A água da chuva pode ser usada para complementar operações que não requeiram uso de água potável, como descarga de vasos sanitários, combate a incêndio, lavagem de veículos e muitas outras aplicações. Os critérios de qualidade da água dependerão da aplicação e o tratamento necessário para atender a esses padrões dependerá muito das superfícies de captação dessas águas. De acordo com TEIXEIRA (2003), a água utilizada na lavagem automotiva não pode causar danos aos veículos e nem comprometer a saúde dos usuários e operadores.
É importante notar que os requisitos de tratamento para saúde são geralmente expressos em termos de concentração absoluta, conforme pode-se observar na Tabela 1. A redução equivalente na exposição a patógenos encontrados nas águas pluviais (ou residuais) pode ser alcançada tanto pelo tratamento quanto pelo controle da exposição no local.
A Resolução conjunta SES/SMA/SSRH nº 1/2017, disciplina o reuso direto não potável de água, para fins urbanos, abrangendo as seguintes modalidades:

    Irrigação paisagística;
   Lavagem de logradouros e outros espaços públicos e privados;
   Construção civil;
   Desobstrução de galerias de água pluvial e rede de esgoto;
   Lavagem de veículos;
   Combate a incêndio.
A Resolução considera duas categorias de água de reuso: (a) uso com restrição moderada; (b) uso com restrição severa. Essa restrição se refere ao nível de exposição que trabalhadores e usuários terão com a água de reuso. A lavagem de veículos se enquadra nas duas categorias, importando apenas no nível de restrição adotado.

Tabela 01 – Padrões de Qualidade da Água de Reuso estabelecidos pela Resolução Conjunta SES/SMA/SSRH nº 01, de 28 de junho de 2017

Padrões de Qualidade    Categorias de Reuso
Parâmetro    Unidade de Medida    Uso com Restrição Moderada    Uso com Restrição Severa
pH    -    6 a 9    6 a 9
DBO5,20    mg/L    ≤ 10
≤ 30
Turbidez    UNT    ≤ 2
-
Sólidos Suspensos Totais    mg/L    -    < 30
Coliforme Termotolerante 1    UFC/100mL    não detectável    < 200
Ovos helmintos    Ovo/L    < 1    1
Cloro Residual Total (CRT)    mg/L    < 1    < 1
Condutividade elétrica (CE)    dS/m    < 0,7    < 3
RAS    -    < 3    3 a 9
Sólidos dissolvidos    mg/L    < 450    < 2.000
Cloreto    mg/L    < 106    < 350
Boro    mg/L    < 0,7    < 2
* Caso seja utilizado o parâmetro E. coli, o limite para o uso restrito deve ser 120 UFC/100mL.
Fonte: Resolução Conjunta SES/SMA/SSRH nº 01, de 28 de junho de 2017.


Esses parâmetros devem ser atendidos tanto para o tratamento da água pluvial, quanto pela residual. Ao determinar uma estratégia de tratamento adequada, é importante considerar todos os aspectos do sistema, pois os requisitos de qualidade da água podem ser diferentes. As questões específicas relativas ao tratamento serão discutidas adiante.
1.3. Sistema de tratamento
A água residual da lavagem de carros deverá ser tratada por processo que envolve separação de água e óleo, coagulação, floculação, flotação, decantação, filtração e desinfecção (Figura 02). 
Figura 02 – Etapas do sistema de tratamento de água
 
Fonte: Elaborado pelo autor.
Todas essas etapas do processo de tratamento desempenham um papel importante na remoção ou diminuição dos diversos tipos de poluentes e patógenos presentes na água residuária até aos níveis aceitáveis para as operações de lavagem.
1.3.1 Separação de água e óleo
Para garantir um funcionamento adequado das etapas posteriores de tratamento, principalmente do processo de floculação-flotação em coluna, a água da lavagem deve passar por um sistema que separe a água do óleo. As tubulações que conduzem as águas residuais a este sistema deverão ter dispositivos que impeçam a passagem de partículas de grãos inertes. A importante separação de água e óleo é feita nesta etapa por diferença de densidade. 
Figura 03 – Separador de água e óleo
 
Fonte: NaturalTec. Disponível em: https://www.naturaltec.com.br/eta-lava-rapido/
O dispositivo desta etapa poderá ser construído ou facilmente adquirido no mercado. Deverá ter câmaras separadas para a chegada das águas residuais da lavagem, para a acumulação de óleo para posterior remoção e para a saída em direção ao tanque de efluente para armazenar a água destinada ao processo de tratamento. Poderá ter placas coalescentes que ajudam a desacelerar o fluxo, essa diminuição da velocidade facilita o ajuntamento e separação do óleo.
1.3.2 Processo de Floculação-Flotação em Coluna
Nesta etapa se emprega uma estação de tratamento por Floculação-Flotação em Coluna (FFC), na qual processos físico-químicos são aplicados no tratamento do efluente. ZANETI (2012) defende o uso do sistema FFC no tratamento de águas residuárias da lavagem de veículos:
A Floculação seguida de flotação é empregada no tratamento de suspensões leves de óleos, graxas, fibras e material particulado. Efluentes com estas características ocorrem em processos de lavagem (roupas, veículos e na produção de alimentos). O desenvolvimento de uma técnica de floculação-flotação, compacta e de alta eficiência de clarificação de efluentes, é de alto interesse ambiental e econômico.
Figura 04 – Equipamento de recuperação de águas residuais pela técnica FFC
 
Fonte: ZANETI, ETCHEPARE e RUBIO (2011), traduzido e adaptado.
O tratamento de água pelo processo de floculação-flotação para reciclagem de água de lavagem de veículos é conhecido. Essa técnica compreende adicionar, ao efluente a ser tratado, um produto químico com função coagulante/floculante, eventualmente regulador de pH e microbolhas de ar. O sistema utiliza um aparato de flotação tipo coluna para realizar a separação sólido/líquido (Figura 04).
O coagulante adicionado ao efluente faz com que as partículas se aproximem e se juntem devido às reações de hidrólise e polimerização formando flocos que podem ser removidos através do processo de flotação. Recomenda-se, para a aplicação no tratamento das águas residuais para lavagem automotiva, o uso de um coagulante orgânico vegetal à base de tanino (tanato quaternário de amônio), um polímero orgânico-catiônico que é efetivo numa faixa de pH de 4,5 a 8,0 e  não altera o pH da água por não consumir sua alcalinidade.
A operação que se sucede é a floculação, na qual procura-se reduzir o número de partículas suspensas e coloidais presentes na água para clarificá-la. Para isso, os floculadores fornecem condições para que isso ocorra, regulando as condições de tempo de detenção e gradiente de velocidade diante da variabilidade do pH, da temperatura e da quantidade de impureza. No presente sistema, um reator hidráulico tubular com duas ou mais chicanas faz a função de misturador rápido e um tanque agitado cumpre a função de misturador lento. Esse sistema proporciona a formação de flocos como resultado da floculação do material em suspensão.
Os flocos e as microbolhas de ar, após colidirem, entram na base do dispositivo de flotação e flutuam até o seu topo por apresentarem densidade menor que a água. O compartimento de flotação é munido de um mecanismo para raspagem do material flotado, cujo produto é coletado por meio de calha instalada na extremidade superior. Esse material coletado forma um lodo que deve ser depositado em dispositivo projetado especificamente para esse fim e encaminhado para descarte final seguro.
Esta técnica exige que a água clarificada, produto do processo FCC, sofra filtração em areia como etapa complementar ao processo. Em alguns casos, pode ser indicada também a filtração em carvão ativado para remover substâncias causadoras de odor, ou ainda outras técnicas, como nanofiltração e osmose reversa.
1.3.3 Filtração
O processo de filtração ocorre quando a água, que passou pelo processo de floculação-flotação em coluna, atravessa o leito filtrante de areia de modo que as poucas partículas em suspensão que restaram do processo anterior ficam agora retidas. O filtro deve ser dimensionado em função das vazões de entrada e saída, visto que filtragens lentas não são indicadas para este tipo de aplicação (DI BERNARDO, 1993).
Tabela 02 – Materiais para Filtro Rápido
 
Fonte: Di Bernardo (1993).
DI BERNARDO (1993) recomenda materiais granulares, de acordo com a Tabela 02, para a construção do filtro rápido. CARVALHO, DUARTE e MANCA (2020) explicam seu funcionamento:
A filtração descendente é a técnica onde a água por gravidade escoa através do meio filtrante em sentido longitudinal. O filtro rápido é formado de uma camada simples de areia ou pode possuir camada dupla (suporte) com a adição de mais um meio poroso, mais grosso e menos denso. A adição de camada suporte permite taxas de filtração ainda maiores. 
1.3.4 Desinfecção
Como etapa final no tratamento da água, a desinfecção objetiva a eliminação de organismos patogênicos. A desinfecção consiste no emprego de um agente físico ou químico para destruir tais patógenos. O desinfetante recomendado é o hipoclorito de sódio pela sua ação abrangente, alcançando outros objetivos, além da desinfecção, tais como remoção da amônia, de compostos orgânicos nitrogenados, compostos inorgânicos oxidáveis e remoção da cor (CETESB, 1974).
A dosagem da cloração pode ser realizada segundo as recomendações da FUNASA (2014). Para uma ação efetiva há necessidade de um contato mínimo de 15 minutos, com uma perfeita dispersão do cloro, para uma redução de 99,9% dos coliformes (CETESB, 1974), após o que deverá ainda permanecer na água um residual de cloro dentro da faixa especificada pela SABESP (de 0,2 a 1,0 mg/L).
   METODOLOGIA
Por se tratar dum sistema híbrido, a revisão bibliográfica com a fundamentação teórica proposta neste artigo explicou o funcionamento do processo de aproveitamento de águas da chuva e se ocupou, também, de descrever um método de recuperação de águas servidas. O modelo híbrido proposto neste artigo consiste num sistema que realiza: 
   o aproveitamento de águas pluviais e 
   a recuperação de águas residuárias. 
A metodologia aqui descrita apresenta as variáveis necessárias ao dimensionamento do projeto, descrevendo as técnicas e processos utilizados e aplicando-as a um protótipo.
2.1 Dimensionamento do sistema de captação de águas pluviais
O sistema de aproveitamento de águas da chuva em um edifício consiste no processo de captação, condução, armazenamento e posterior uso da água precipitada sobre o telhado e outras superfícies impermeáveis do terreno, destinadas às atividades que não necessitem que a água seja potável.
O processo de dimensionamento de um sistema de aproveitamento de águas pluviais é o mesmo adotado para um sistema predial de águas pluviais (o mesmo daqueles que não há aproveitamento), cuja vazão de projeto tem seu valor determinado a partir de estudos estatísticos dos dados pluviométricos do local onde o projeto deva ser implantado. A diferença está na reservação (que não há nos sistemas tradicionais), cujo dimensionamento levará em conta aspectos hidrológicos associados à demanda pelo uso da água previsto no projeto.
2.1.1 Área de contribuição e condutores
Para o dimensionamento do sistema de aproveitamento de águas pluviais, além do levantamento dos dados pluviométricos do local de implantação, outra informação importante é levantar qual a área de contribuição onde será captada as águas de chuva. A área de contribuição deve ser calculada conforme a expressão na Figura 05:
Figura 05 – Cálculo da área de contribuição de coberturas inclinadas
 
Fonte: ABNT NBR 10844:1989.
  As calhas e condutores devem ser dimensionados de acordo com a vazão de projeto, definida pela fórmula:

Q=  (   I · A   )/60                                                 (2.1.1a)

Onde:
Q ........    vazão de projeto, em L/min
I .........    intensidade pluviométrica, em mm/h
A ........    área de contribuição, em m²

A NBR 10844:1989 indica a fórmula de Manning-Strickler para o dimensionamento de calhas:
Q=K·  (   S   )/n· 〖R_h〗^(2/3)· i^(1/2)                                  (2.1.1b)  

Onde:
Q ........    vazão de projeto, em L/min 
S  ........    área da seção molhada, em m² ( S = a · h )
n ........    coeficiente de rugosidade (cf. material, tabelado)
Rh .......    raio hidráulico, em m ( Rh = S / P )
i ..........    declividade da calha, em m/m
K ........    60.000 (constante)
P ........    perímetro molhado, em m ( P = 2h + b )

Além do dimensionamento relativo à captação e condução das águas da chuva, considerando que estas serão aproveitadas, deverá ser prevista a instalação do First flush (primeira descarga), sistema que descarta as primeiras águas de uma precipitação, normalmente carregada de poeira, fuligem, folhas, galhos e detritos.
Figura 06 – Funcionamento da técnica First Flush
 
Fonte: Adaptado de HarvestH2o. Disponível em: http://www.harvesth2o.com/first_flush.shtml
Mesmo sendo destinada a fins não potáveis, o tratamento da água pluvial é necessário para se alcançar os parâmetros mínimos exigidos na Resolução Conjunta SES/SMA/SSRH nº 01, de 28 de junho de 2017. Para isso deve ser previsto, além da técnica First Flush, a instalação de peneiras para conter folhas, detritos e até pequenos animais, e a instalação de um filtro para eliminar a turbidez.
2.1.2 Reservatório de águas pluviais
O reservatório é um elemento muito importante do sistema de captação de águas pluviais e para o seu dimensionamento deve ser levando em conta os seguintes critérios: custo da implantação do sistema, demanda de água, área de contribuição, regime pluviométrico local e confiabilidade requerida, tendo em vista que “a distribuição anual de chuvas é uma importante variável a ser avaliada no dimensionamento do reservatório.” (ERTHAL JR, PÊGO; 2012)
O dimensionamento do reservatório pode ser feito usando-se quaisquer dos métodos apresentados no Anexo A, da NBR 15527. Embora muito difundido, o Método Rippl foi descartado, pois normalmente leva a valores muito altos de reservação e não teria aplicabilidade no projeto apresentado neste estudo. Para este trabalho, adotou-se o Método Azevedo Neto por sua simplicidade e, por ser um método nacional, está mais adequado à realidade brasileira.
Nesse método é considerado, além da área de contribuição, o número de meses de pouca precipitação ou seca. Nesse estudo, será adotado a média da precipitação anual. O cálculo da reservação foi realizado conforme a fórmula apresentada na NBR 15.527:2019, para o Método Azevedo Neto:

V = 0,042 · P · A · T                                        (2.1.2)
Onde:
V ........    volume de água no reservatório, em L
T ........    número de meses de pouca chuva ou seca
P ........    precipitação anual média, em mm
A .......    área de contribuição, em m²            
Este estudo considerou que os dias com chuva por mês serão sempre ininterruptos, o que diminuiu a expectativa de reposição de volume captado. Os reservatórios utilizados para acumulação e aproveitamento devem ser constituídos de material resistente à corrosão ou possuir internamente revestimento anticorrosivo. A água captada através do sistema de águas pluviais será conduzida ao reservatório de acumulação por gravidade e depois bombeada para outro reservatório para posterior diluição com água potável e residual, estando pronta para o uso na lavagem automotiva. A lavagem e desinfecção do reservatório deve ser realizada periodicamente, conforme as recomendações da ABNT NBR 15.527:2019.
2.2 Dimensionamento do sistema de recuperação de águas
As águas residuais precisam passar por todas as etapas do sistema, enquanto as águas pluviais (após os cuidados iniciais inerentes ao sistema) passam apenas por filtração e desinfecção (ver fluxo na Figura 09). A principal etapa de recuperação das águas residuais é o processo de Floculação-Flotação em Coluna, que se trata de um equipamento compacto e de alta eficiência na clarificação de efluentes (ver Figura 04), adequado às operações de lavagem automotiva em que se adota a recuperação de água. Apresenta-se a seguir cada uma das etapas:
2.2.1 Caixa Separadora de Água e Óleo
A água escoada no compartimento de lavagem de veículos pode conter resíduos de óleo e, por isso, deve ser encaminhada a um procedimento de separação de água e óleo, item obrigatório conforme a NBR 14605. Se a área de lavagem de veículos for descoberta, o índice de intensidade pluviométrico deve ser considerado no cálculo do dispositivo de separação, relativo ao compartimento de lavagem, como sendo parte da ‘área de contribuição’ do sistema de drenagem oleosa (SDO). Também, deve atender o Anexo A, da NBR 14605-6:2020, que recomenda a adoção da vazão dos equipamentos de lavagem, em L/h.
Como primeira etapa do sistema de recuperação, deve-se ter cuidado com a coleta correta da água residual na área de lavagem, limitando a captação às operações de lavagem, evitando contribuição de outras áreas, fazendo-se o adequado dimensionamento das canaletas, suficientes para a vazão máxima da VAP (lavadora de alta pressão) e observando-se as dimensões mínimas de norma (NBR 14605-6:2020), prevendo-se ainda o gradeamento na entrada do sistema pra remoção de sólidos grosseiros, conforme arranjo exemplificado na Figura 07.
Figura 07 – Requisitos para área de lavagem de veículos
 
Fonte: ABNT NBR 14605-6:2020, Figura 3.
A Caixa Separadora de Água e Óleo (CSAO) tem a estrutura esquemática apresentada na Figura 08, onde seu primeiro compartimento cumpre a função da caixa de areia da Figura 07 (NBR 14605-6). O terceiro compartimento da CSAO, onde se acumula o óleo separado deve ser removido periodicamente, cuja destinação adequada será discutida no tópico 3.2, onde tratará sobre o manejo dos resíduos do sistema.
Figura 08 – Funcionamento de CSAO
 
Fonte: EcoPetro Soluções Ambientais, com adaptações.
2.2.2 Tanque de efluentes para equalização
Entre a CSAO e o equipamento FFC é necessário um tanque para o acúmulo das águas residuais que passaram pelo processo de separação água-óleo, para funcionar como reservatório de equalização, tendo em vista a ocorrência de variações na vazão das águas servidas. O tanque de efluente será também o ponto de coleta de amostras de controle para verificar se concentração máxima de resíduos de óleo após o processo SAO está dentro dos parâmetros (máx = 20 mg/L, cf. CONAMA 357).
2.2.3 Equipamento de Floculação-Flotação em Coluna (FFC)
A tecnologia empregada nesta etapa para a clarificação da água residual desenvolvida na UFRGS, cujo resultado no tratamento de águas residuais de lavagem automotiva é a obtenção de uma água clarificada, livre de partículas de sujidades e de resíduos de óleo, é comercializada pela Hidrocicle em diversos modelos (com vazões de tratamento que variam de 1 a 15 m³/h) que correspondem às diferentes demandas diárias que variam de acordo com as necessidades dos centros de lavagem automotiva.
2.3 Implantação do projeto
Para implantação do sistema é importante seguir etapas, que vão desde a escolha do local e levantamento de informações, depois pelo dimensionamento do sistema e projeto.
Figura 09 – Esquema do sistema de tratamento de águas residuais
 
Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado de ZANETI, ETCHEPARE e RUBIO (2011).
O esquema apresentado na Figura 09 representa a totalidade do sistema híbrido e suas interfaces, onde é detalhado todas as etapas e ainda podem ser observados os pontos de alimentação do sistema (águas potável, residual e pluvial), indicados por número, e os pontos onde os resíduos do sistema (óleo, lodo e efluente excedente) precisam ser removidos ou descartados, indicados por letra:
   1, 2, 3: destacados os pontos de alimentação do sistema;
   A, B, C: destacados os pontos dos resíduos.
Figura 10 – Croqui do Lava Rápido (protótipo)
 
Fonte: Elaborado pelo autor.
A metodologia descrita acima, resumida na Figura 09, será aplicada em um centro de lavagem automotiva padrão (Figura 10), usado neste artigo como protótipo, usando-se os parâmetros pluviométricos da cidade de Barueri, SP.
2.3.1 Demanda por recursos hídricos nas operações de lavagem
A demanda de água para as operações de lavagem de veículos do Lava Rápido (estudo de caso) foi calculada de acordo com o movimento comercial registrado, conforme apresentado na Tabela 03. Em média, são lavados 170,2 por semana, o que resulta numa média mensal de 740 veículos/mês (170,2 × 4,35).
Tabela 03 – Média da Lavagem de Veículos por Dia da Semana
DIA DA SEMANA    SEG    TER    QUA    QUI    SEX    SAB    DOM
DEMANDA MÉDIA DE VEÍCULOS    25    22,8    21,8    25    24,8    36,5    14,3
Fonte: Lava Rápido, 2021.

Para estimar o consumo de água mensal, será adotado o valor de 200L/veículo, considerando-se a impossibilidade de se obter esse valor com estudos mais aprofundados. O consumo adotado leva em consideração o tipo de lavagem usada no Lava Rápido (lavagem a jato manual) e as consultas à literatura técnica (UÇAR, 2018; CARVALHO, DUARTE e MANCA, 2020).
2.3.2 Dados pluviométricos locais
Foram obtidos no sítio eletrônico do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) os dados pluviométricos da estação de dados meteorológicos de Barueri (código: A755), localizada em área militar de unidade do Exército Brasileiro. Por meio das informações dessa estação pluviométrica foram obtidos os dados mensais de precipitação. Para que se possa obter o cálculo do volume total precipitado, este estudo adotou o critério de chuva acumulada mensal (mm), obtendo-se a média mensal dos últimos cinco anos (2016-2020).
Gráfico 01 – Média mensal de chuva acumulada da estação A755, do INMET
 
Fonte: Elaborado pelo autor, dados disponíveis em: https://portal.inmet.gov.br/dadoshistoricos.
Os índices de intensidade pluviométrica (medida crítica), normalmente usados para dimensionar calhas, condutores e outros elementos do sistema de captação de águas pluviais, não devem ser usados para dimensionar o volume de água a ser aproveitado, pois o que se busca o volume total precipitado.
No Gráfico 01 é possível observar a grande variação do volume de chuva entre os períodos de primavera-verão e de outono-inverno, o que poderia ser um desestímulo à adoção de um sistema de aproveitamento de águas da chuva, principalmente, se não for bem estudado e ter esses desafios equacionados. No protótipo idealizado neste estudo, é proposto um sistema híbrido, com o reuso de águas residuais da própria lavagem de veículos, que pretende equalizar essa variação pluviométrica.
Para o dimensionamento do reservatório de águas pluviais foi considerada a demanda de água nas operações de lavagem, combinada com o potencial de volume de água aproveitável em função da área de contribuição. A aplicação do Método Azevedo Neto na determinação do volume do reservatório é adequada aos dados disponíveis. Foram utilizadas as médias dos dados de precipitação mensal, considerando-se ainda o mês de julho como tendo precipitação abaixo de um desvio padrão da média mensal.
Conforme a premissa estabelecida no tópico 2.1.2, os dados apresentados no Gráfico 02, podem ser considerados como valores mínimos de volume de água de chuva aproveitado no sistema, um total de 116 m³/ano.
Gráfico 02 – Total mensal mínimo de captação de águas da chuva no sistema
 
Fonte: Elaborado pelo autor.
2.3.3 Dimensionamento das instalações de captação de águas pluviais e do reservatório de acumulação
No protótipo desse estudo serão usados dois telhados, cujas medidas estão indicadas no croqui da Figura 10. O cálculo da área de contribuição, cuja área total é de 138,6 m², é demonstrado abaixo, considerando inclinação de 10%:

A=(a+ (  h  )/2)∙b                (2.3.3a) 
   
onde:
A = área de contribuição (m²)
a = largura (m)
h = desnível (m)
b = comprimento (m)

 

A_1=(6+ (  0,6  )/2)∙14=88,2 m²
   
A_2=(6+ (  0,6  )/2)∙8=50,4 m²
ÁREA DE CONTRIBUIÇÃO TOTAL = 88,2 + 50,4 = 138,6 m²
Para a determinação da vazão de projeto, será adotado I = 172 mm/h (T=5 anos, t=5min) chegando-se a:
Q=  (   172 · 138,6   )/60=397 L/min
A fórmula de Manning-Strickler será usada para verificar a capacidade da calha nessas dimensões em suportar a vazão de projeto. Será adotada calha retangular de aço galvanizada (n=0,011), sob encomenda, de 120 x 100 mm, com inclinação de 1% e com altura da lâmina d’água (h) de 65 mm.
S = a · h
S = 0,12 · 0,065 = 0,0078 m²    P = 2h + a
V = 2 · 0,065 + 0,12 = 0,25 m


R_h=  (   0,0078   )/0,25=0,0312 m   

Q=60000·  (  0,0078  )/0,011· 〖0,0312〗^(2/3)· 〖0,01〗^(1/2)=421,7>397 ∴ OK 
Com uso do Ábaco “a”, para calhas com saída com aresta viva, serão adotados dois condutores verticais de 75mm, definidos a partir dos critérios estabelecidos na NBR 10844:1989:
   vazão de projeto (397 L/min)
   altura da lâmina de água na calha (65mm)
   comprimento do condutor vertical (1 m)
Para o dimensionamento do dispositivo First flush será adotado o descarte de 2 L/m² de área de contribuição (VIEIRA et al, 2013).
Para o dimensionamento do reservatório pelo Método Azevedo Neto, adotando-se o T=1 (mês de julho, pouca chuva), a seguir demonstrados:
V = 0,042 · P · A · T
V = 0,042 · 1162,4 · 138,6 · 1
V = 6.767 L
O reservatório adotado será de polietileno, com capacidade de 7500 L, e ficará localizado no espaço operacional, apoiado sobre o piso nivelado. A determinação da capacidade do reservatório de acumulação também é avaliada a partir do volume mensal disponível a partir da precipitação, calculado conforme abaixo:
V_(disp )≤{█(V_1=0,10098×P                       @                        @V_2=0,9×[[C×(n-1)]+R] )┤              (2.3.3b)  

Onde:
Vdisp .....    volume disponível no mês
V1 ........    volume esperado de chuva, em m³
V2 ........    volume potencial de reserva, em m³
P ..........    precipitação média acumulada mensal, em mm
C .........    consumo diário médio, em m³
n .........    número de dias de chuva durante o mês 
R ........    volume do reservatório de acumulação, em m³


2.3.4 Dimensionamento dos itens adicionais do projeto
Caixa Separadora de Água e Óleo: A vazão máxima estimada nas operações de lavagem é de 730 L/h, prevendo-se a utilização de lavadora de alta pressão (VAP) de 1000 L/h. Com base nessa vazão máxima estimada, será adotado um dispositivo com volume de 500 L e vazão de 1000 L/h. Essa CSAO tem profundidade de 70 cm, largura de 80 cm e comprimento de 120 cm, com os três compartimentos e possibilidade de uso de placas coalescentes que aceleram a aglutinação das partículas de óleo, aumentando a velocidade de separação de água e óleo.
Tanque de efluentes: O tanque será enterrado, construído em concreto armado impermeabilizado, com volume de 2000 L (cerca de 2 vezes a vazão do equipamento FFC).
Equipamento de Floculação-Flotação em Coluna (FFC): O modelo que será adotado em nosso protótipo é o R1000, com vazão de tratamento de 1,0 m³/h, sem o módulo opcional de filtro avançado.
Reservatórios: Os reservatórios de água potável e de água recuperada devem ter seus volumes dimensionados a partir do consumo médio diário. O volume de cada reservatório será de 5.000 L.
Tabela 04 – Planilha de orientação para o projeto
 
Fonte: Elaborado pelo autor.

    RESULTADOS E DISCUSSÃO
O volume de água usada na lavagem automotiva representa uma parcela considerável do consumo de água potável no Brasil segundo a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS). Cerca de 32.700 centros de lavagem automotiva consomem uma média de 3,7 milhões de m³/mês, maior do que a maioria das cidades brasileiras (LEÃO et al, 2010). Portanto, esse é um setor que precisa rever seu gerenciamento dos recursos hídricos, visando diminuir o impacto ambiental e adotar práticas sustentáveis do ponto de vista ambiental e econômico.
Figura 11 – Etapas necessárias à implantação do sistema híbrido
 
Fonte: Elaborado pelo autor.
3.1 Ciclos de recuperação de águas residuais
Perdas inerentes ao sistema e ao residual de surfactantes (quando não adotado o filtro avançado adsorvente) exigem a previsão de um percentual de reposição com água nova ao sistema, para evitar atingir o ponto de saturação no reuso da água, aumentando o número de ciclos ou mesmo a um número indeterminado de ciclos.
Como o sistema de tratamento não elimina os surfactantes (substâncias tensoativas presentes nos detergentes, sabonetes e sabões), a tendência é que a cada ciclo de lavagem a sua concentração aumente, com consequente prejuízo aos veículos por provocar manchas e corrosão de metais e borrachas (ZANETI et al, 2011). Para minimizar ou eliminar esse problema pode-se utilizar um filtro com função adsorvente ou através da diluição da água reciclada com água nova, conforme estudo: 
Para o controle do ciclo de concentração de água de reuso, é necessário efetuar um balanço de massa com algumas variáveis do sistema. É preciso balancear as variáveis que não apresentam um bom grau de remoção no tratamento convencional, que é geralmente utilizado. A característica Teor de Sólidos Dissolvidos (TSD) não é eliminada nos tratamentos e se acumulam nos ciclos de recirculação (CARVALHO, DUARTE e MANCA, 2020).
Gráfico 03 – Participação dos tipos de água de abastecimento para o sistema de tratamento
 
Fonte: Elaborado pelo autor
Este estudo considerou um balanço de massas para se obter a concentração de sais nas águas de lavagem automotiva, estudando o incremento de sais por ciclo de lavagem. Considerando um sistema sem perdas de água, CARVALHO, DUARTE e MANCA (2020) concluíram, no seu estudo, que trabalhando com uma adição constante de 37% de água nova (potável ou pluvial), o sistema pode trabalhar em regime permanente por tempo indeterminado.
Para o protótipo apresentado neste artigo, considerar-se-á o percentual proposto no estudo em tela (37% de água nova sendo continuamente injetada no sistema) e ainda uma perda de água no sistema de 12%, em virtude de evaporação, infiltrações e carreamento pelo veículo. Com esses dados e com a participação do sistema de aproveitamento de águas pluviais, cujo volume foi calculado no tópico 2.3.3, é possível estimar a participação de cada tipo de água, conforme apresentado no Gráfico 04. O percentual de água potável necessária, considerando as perdas é de 30,4%, o que leva a uma economia global de consumo de água potável de 69,6%.
3.2 Manejo dos resíduos do sistema
Os sistemas de tratamento de águas de lavagem de veículos produzem, principalmente, dois tipos de resíduos: (a) óleos e graxas; (b) lodo proveniente das partículas floculadas.  Esses resíduos são nocivos ao meio ambiente e, por isso, quando não destinados corretamente, podem causar impactos negativos por prejudicar o solo e corpos d’água.
Diante da necessidade de preservação do meio ambiente, é preciso encontrar formas ambientalmente corretas para destinar os resíduos da drenagem oleosa e do tratamento de água.
3.2.1 Resíduos oleosos
Os cuidados ambientais se aplicam aos resíduos da drenagem oleosa. Conforme apresentado no tópico 2.2.1, o sistema de recuperação de água, contém na fase de pré-tratamento um dispositivo separador água-óleo, com uma câmara onde se acumula o óleo separado para posterior remoção.
A NBR 14605-1:2020 destaca a necessidade da destinação adequada do resíduo oleoso exigindo que “deve ser feita de acordo com a legislação vigente”. A Resolução CONAMA nº 362, de 23 de junho de 2005, obriga o recolhimento de óleo lubrificante por coletores autorizados para rerrefino. A relação de empresas autorizadas pode ser consultada no sítio eletrônico da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), cujo download da consulta pode ser feito em formato de planilha eletrônica. Por se tratar de descarte em pouca quantidade, o Lava Rápido precisa fazer uma pesquisa criteriosa das empresas, para conhecer os requisitos para a retirada do óleo (volume mínimo, periodicidade etc.). 
3.2.2 Desidratação do lodo e destinação final
A destinação dos resíduos advindos do tratamento de efluentes, sobretudo orgânicos, é um grande desafio para o poder público, entidades do terceiro setor e empresas, tanto do ponto de vista econômico, como do ponto de vista técnico. Grande parte do volume do lodo biológico ainda é destinado aos aterros sanitários que, embora seja um meio adequado, falha por encerrar o ciclo do uso do lodo biológico, tais como seu uso na compostagem e na produção de fertilizantes.
No caso específico do lodo produzido no sistema de tratamento da água residual da lavagem automotiva em Lava Rápidos, há limitações que acabam por restringir o destino à aterros sanitários em função do baixo volume produzido e da diminuta presença de material biológico que pudesse favorecer o uso na compostagem.
Tabela 05 – Estimativa da produção de lodo de ETA no Brasil,  de acordo com o tipo de manancial de captação
 
Fonte: Katayama (2012) apud Reali (1999).
O volume médio mensal de tratamento de efluente é de 103 m³. O tipo de efluente tratado não é esgoto e nem água de manancial, pois se trata de águas residuárias. Não obstante, se aproxima mais do segundo caso e, por isso, usa-se os dados de REALI (1999) para estimar a produção de lodo.
Considerando a qualidade da água residuária como “Água de reservatório de qualidade ruim”, da Tabela 05, no seu limite máximo (42 g de lodo / m³ de água tratada), chega-se à massa média mensal de 4,3 kg, uma quantidade muito pequena para viabilizar outras destinações que não aos aterros sanitários.
Antes do descarte do lodo, procede-se a sua desidratação em leitos de secagem com volume de 2.000 L. O resíduo seco é acondicionado e compactado em bags para encaminhá-los a aterros sanitários por meio do sistema de coleta público. Os resíduos líquidos da drenagem do lodo é reinjetado no sistema de tratamento (ver Figura 09).
3.3 Custo de implantação e viabilidade econômica
Para avaliação da viabilidade de implantação do sistema, é necessário fazer uma estimativa de custo. Essa estimativa foi feita por meio de consulta de preço na Internet (itens 02, 05 e 06, da Tabela 06), consumo de materiais básicos e respectiva precificação (itens 01 e 03) e orçamento feito diretamente com fabricante (item 04).
Tabela 06 – Planilha de Custo Estimado de Implantação da ETAR
ITEM    SERVIÇO / EQUIPAMENTO    CUSTO ESTIMADO (R$)
01    Readequação da área de lavagem para retificação de caimentos, canaletas, segregação de outras áreas de contribuição, instalação das tubulações de coleta de efluente com gradeamento    780,00
02    Instalação do sistema de drenagem oleosa, com CSAO da Fibratec (500L, 1000L/h)    2.085,00
03    Construção do tanque de equalização de efluente em concreto armado (2000L)    850,00
04    Instalação da ETAR, da Hidrocicle, sistema completo incluído filtragem e leitos de secagem do lodo, incluindo frete    51.040,00
05    Instalação do reservatório de água recuperada (5000L) e acessórios    3.650,00
06    Instalação do reservatório de águas pluviais (7500L), sistema de coleta, first flush e interligação com filtro de areia    7.260,00
CUSTO TOTAL ESTIMADO ==>    65.365,00
Fonte: Elaborado pelo autor.

O item de maior peso (e de menor variabilidade numa eventual implantação) é o equipamento de floculador-flotador (item 03) que concentra a maior parte das etapas de recuperação do efluente, representando cerca de 78% dos custos de implantação. O preço informado pelo fabricante é de R$ 48.900,00 (Porto Alegre-RS, FOB, mar/2021). A partir dessa informação é interessante perceber que não houve nos últimos anos variação no preço, mesmo diante de melhorias significativas no produto, visto que ZANETI et al (2011) publicou, há dez anos, que o preço do equipamento era de US$ 8.687,50. 
Tabela 07 – Gastos com água potável (tarifa: fev/2021)
CENÁRIO    CONSUMO (m³)    VALOR DA CONTA MENSAL (R$)
Antes da implantação    148    5.674,08
Depois da implantação    45    1.333,82
ECONOMIA MÉDIA MENSAL ESPERADA ==>    4.340,26
Fonte: Elaborado pelos autores.
A viabilidade econômica deve ser medida a partir do retorno de investimento propiciado pela redução do consumo de água que um sistema como esse possibilita. Considerando a redução de 69,6% no consumo médio de 148 m³/mês, o Lava Rápido passaria a consumir apenas 45 m³/mês em média, sendo que a diferença se deve ao volume captado de águas da chuva e à reciclagem das águas residuais.
O investimento total para implantação do sistema é de R$ 65.365,00 (Tabela 06). Após a implantação, a economia média na conta mensal de água é de R$ 4.340,26. O payback time com desconto (PBD) é de apenas 17 meses, levando-se em consideração uma taxa de remuneração mensal de 1,5%. A avaliação do investimento foi feita de acordo com o modelo proposto por SOUZA, MATIAS JR e CONCEIÇÃO (2014), calculando-se o valor presente líquido (VPL) e a taxa interna de retorno (TIR) da proposta para o prazo de 24 e 36 meses.
Tabela 08 – Avaliação do Investimento
INVESTIMENTO INICIAL    ECONOMIA MENSAL
R$ 65.365,00    R$ 4.340,26

Prazo de Avaliação do Investimento    Valor Presente Líquido (VPL)    Taxa Interna de Retorno (TIR)
Em 24 meses    R$ 21.253,37    4,12%
Em 36 meses    R$ 53.881,34    5,75%
NOTA: Taxa = 1,5% a.m. (19,56% a.a.). PBD = 17 meses

Os cálculos foram processados com o auxílio de planilha eletrônica do Microsoft Excel. As funções NPER, VPL e TIR do Microsoft Excel foram utilizadas para o cálculo respectivo do paybak time (PBD), valor presente líquido (VPL) e da taxa interna de retorno (TIR). 
4. CONCLUSÕES 
Os desenvolvimentos de novas tecnologias geralmente levam a um impacto ambiental; entretanto, no caso de um Lava Rápido moderno, esse impacto para o meio ambiente pode ser minorado ou até neutralizado. A lavagem de carros moderna e ecologicamente correta exige uma boa tecnologia de lavagem, um sistema adequado de reciclagem de água e produtos químicos de lavagem compatíveis.
O presente artigo demonstrou a viabilidade técnica e econômica dum sistema de aproveitamento de água para a lavagem automotiva, com vantagens como operação simples do sistema, economia financeira expressiva (76,5% sobre o custo mensal médio com contas de água) e payback time atraente que justificam o investimento.
Com tecnologia exclusivamente nacional, a difusão pelo país de sistemas de reciclagem de água (como o demonstrado neste artigo), em centros de lavagem automotiva, pode reduzir significativamente o consumo de água potável e colaborar com a diminuição na pressão por maior demanda de água nos sistemas de abastecimento público.
As vantagens para o meio ambiente com a diminuição dos impactos ambientais que medidas como essa trazem, tanto pela diminuição do consumo de água potável, como pela destinação correta dos resíduos do tratamento, são incalculáveis.
5. REFERÊNCIAS 
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_________ .     NBR 14605-1: Armazenagem de líquidos inflamáveis e combustíveis – Sistema de drenagem oleosa em posto revendedor de combustíveis automotivos. Parte 1: Conceituação e projeto da drenagem oleosa. Rio de Janeiro, 2020.
_________ .     NBR 14605-6: Armazenagem de líquidos inflamáveis e combustíveis – Sistema de drenagem oleosa em posto revendedor de combustíveis automotivos. Parte 6: Construção de sistema de contenção, tratamento e separação de efluente – Área de lavagem. Rio de Janeiro, 2020.
_________ .     NBR 15527: Aproveitamento de água de chuva de coberturas para fins não potáveis – Requisitos. Rio de Janeiro, 2019.
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Figura-01-Principais-origens-dos-poluentes-nas-aguas-residuais-da-lavagem-de-veiculos_W640
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